sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Ser negro: muito além da consciência

Publicada na edição de 14 a 21 de novembro de 2013 do Jornal do Trem e Folha do Ônibus da FLC Comunicações Ltda.

Já houve conquista, mas ainda há questões a se melhorar em relação à inclusão do negro na sociedade brasileira

No dia 20 de novembro é celebrado em todo o Brasil o dia da Consciência Negra. A data coincide, propositalmente, com a da morte de Zumbi dos Palmares, para relembrar a resistência dos negros à escravidão. Durante toda a semana, ocorre na mídia e nos espaços culturais uma série de discussões e reflexões sobre a inserção do negro na sociedade brasileira.
Não há como negar que a segregação racial tem diminuído com o passar dos anos. Hoje, poucas pessoas têm interesse em manifestar qualquer tipo de racismo, pois sabem que serão, de alguma maneira, rechaçadas pela sociedade. Com o passar das gerações, cada vez menos pessoas tendem a ter preconceitos tão ultrapassados como julgar alguém pelo seu tom de pele.

E as cotas?
A cada vez maior conscientização da sociedade têm gerado muitas discussões e reflexões sobre o assunto, o que culminou na criação do sistema de cotas para negros nas universidades. O tema é polêmico, pois alguns aceitam bem a iniciativa e outros acreditam ser desnecessária, por apenas enfatizar o preconceito. O interessante é que, de alguma maneira, o país está pensando em alternativas para o problema da educação e as colocando em prática.
O estudante universitário Antonio Junior acredita que o sistema de cotas é algo válido e importante, porém é uma alternativa insuficiente. “Preocupar-se com a educação básica é o mais importante, pois não adianta colocar sal no feijão depois de pronto”, opina.

Violência contra negros
Recente pesquisa divulgada pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) indica que ter a cor negra ou parda aumenta em cerca de 8% a probabilidade da pessoa ser vítima de homicídio. Além disso, a chance de um adolescente negro ser assassinado é 3,7 vezes maior do que de um branco, e o número de presos negros no Brasil é 1,5 vezes maior que o número de brancos. Além disso, enquanto há a média de 1,3 pessoas brancas sendo agredidas, há a média de 2,3 negros na mesma condição – quase o dobro.
Reinaldo da Silva Guimarães, doutor em Serviço Social, acredita que o principal passo para reduzir o comportamento refletido nesses dados é “ensinar as crianças, desde cedo, valores como a solidariedade, o altruísmo, a tolerância, a diversidade e o reconhecimento de que existem grupos diferentes entre si – em relação à cor da pele, preferência sexual, porte físico, etc. – mas que não são inferiores ou perigosos. A transmissão de bons valores é fundamental para construir uma sociedade mais humana, inclusiva, tolerante, justa e solidária”.

A criança negra
Há uma pesquisa norte-americana, registrada em vídeo, exibe diversas crianças negras sentadas na frente de duas bonecas, uma negra e a outra branca. O pesquisador pede que elas mostrem qual é a boneca feia e má, e todos apontam para a negra. Quando a pergunta é qual boneca é mais legal e mais bonita, os pequenos apontam para a branca. Quando questionados sobre qual boneca é a mais parecida com eles próprios, respondem que é a negra. O resultado demonstra que, inconscientemente, essas crianças acreditam que são inferiores e menos aceitas na sociedade.
Vinicius Almeida, professor de educação física que atua em escolas públicas, e que recentemente trabalhou com alunos da Fundação Casa (antiga Febem), acredita que no Brasil uma pesquisa como essa seria muito mais expressiva e reveladora. “Com crianças e jovens que vivem em contextos sociais em que há mais brancos, isso é bastante comum. A maioria não aprende com os pais a valorizar a sua cor e a sua beleza. Como o negro praticamente nunca tem um destaque positivo na televisão, que querendo ou não é uma das maiores formadoras de opinião, os jovens buscam referências em padrões que não são os deles”, o que acaba gerando um sentimento de inferiorização.

O preconceito velado
Você já reparou na quantidade de negros que figuram nas propagandas de televisão, nos filmes e nas novelas? Em comparação às pessoas brancas, ela é praticamente nula – e é algo tido como “natural”, que poucos estranham. Não se pode negar que há um problema sério por trás desse comportamento.
Felipe Duarte, um jovem de 25 anos, conta que sofreu preconceito quando foi comprar o seu primeiro carro. “Eu entrei na loja, de bermuda e chinelo, e disse que queria comprar um automóvel. O vendedor me ignorou. Até aí tudo bem, porque eu sai e comprei em outra loja. O problema maior é o preconceito que eu enfrento no dia a dia, as piadas “sem maldade” que ouço. Isso faz com que eu tenha que provar que sou bom o tempo todo. O meu pai acredita que nós, negros, temos a obrigação de andar sempre bem vestidos, por exemplo. Eu sou tranquilo em relação a isso, mas acredito que o preconceito velado deva jogar a estima de muitos negros pra baixo”, revela o jovem.





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