quinta-feira, 3 de outubro de 2013

O brasileiro sabe falar o português?

Publicada na edição de 27 de setembro a 3 de outubro de 2013 do Jornal do Trem e Folha do Ônibus da FLC Comunicações Ltda.


“Não tem pobrema, nóis vai na padaria e come duas coxinha”. Afinal, porque há tanta confusão com a língua portuguesa?


Muitas pessoas se preocupam em fazer cursos de inglês e espanhol, na intenção de enriquecer o currículo e ter boas referências. Mas será que compensa dominar outras línguas e não saber falar o português?   

A origem do problema
Não é à toa que muitos brasileiros têm dificuldades em falar o português. As orientações de flexionar o verbo de maneiras diferentes no “pretérito perfeito”, no “pretérito imperfeito”, no “pretérito mais que perfeito”, no “futuro do presente” e no “futuro do pretérito” leva crianças, jovens e adultos à confusão – e possibilita que muitos digam coisas como “nós foi”, “nós vai” e “nós ia”.
O professor de gramática Fabrício Dutra acredita que o ensino da língua é deficiente. “O hábito da leitura, tão importante para o entendimento do português, não faz parte da vida do aluno. A criança passa praticamente toda a vida escolar sem ler e, pior, sem sentir prazer em ler”.
Principalmente por ser considerada uma das línguas mais difíceis de aprender, o português precisa ser trabalhado com esmero nas salas de aula. “Na escola não se estuda a gramática para aprender a se comunicar adequadamente, mas sim para ‘passar de ano’. Com isso, surgem dificuldades e dúvidas na hora de falar”, acredita o professor Dilson Catarino.

Em constante mudança
Ao invés de dizer “eu a vi” e “eu a conheço”, muitas pessoas dizem “eu vi ela” e “eu conheço ela”, o que evidência que a língua falada se afasta cada vez mais da norma culta. “A língua se atualiza diariamente. Expressões são criadas, significados são produzidos, palavras e formas são inventadas. Já a norma culta não sofre tantas alterações – e isso não é um problema. Hoje em dia os jovens têm o hábito de expressar seus sentimentos e ações por meio da estrutura "#chateado", "#partiu" e isso não quer dizer que a gramática deva incluir o símbolo "#" em sua estrutura formal”, explica o professor Fabrício.

Para melhorar
“Ao contrário do que as pessoas pensam, aprender a língua portuguesa não consiste em perder horas da vida decorando um conjunto de regras”, brinca Fabrício. O professor acredita que o hábito da leitura faz com que o falante não encontre dificuldades em adequar a sua linguagem a uma situação formal, quando necessário. Já que ler é o melhor remédio, crie ou fomente o hábito de ler uma notícia por dia, uma revista por mês, um livro por ano.
A leitura constante faz entender o que é certo e o que é errado no uso da língua. Dizer "há dez anos atrás", por exemplo, é uma redundância. A expressão “há”, por si só, já indica o passado. É adequado dizer “dez anos atrás” ou “há dez anos”. Outro erro constante é dizer "fazem muitos dias", pois o verbo fazer, quando se refere ao tempo, é impessoal. O correto é dizer “faz cinco anos”, “fez 15 dias”, etc.

Às vezes, pode
A língua padrão, também conhecida como norma culta, é o parâmetro para a utilização do português. Ela pode ser usada de maneira formal ou informal, dependendo da situação. Em um bate-papo com os amigos, a linguagem coloquial é melhor a ser utilizada. Afinal, seria estranho ouvir em um bar alguém dizer “duas cervejas, por obséquio”.
“A língua deve ser encarada como uma roupa, que deve ser usada de formas diferentes em situações diferentes. Não se envia uma mensagem de texto no celular de um amigo da mesma forma que se envia um e-mail para o chefe. Se o funcionário disser para o superior: ‘o relatório teve vários pobremas, tá ligado?’ será completamente inadequado”, explica o professor Fabrício. Mesmo fazendo uso da linguagem coloquial não há motivos para cometer erros de português. Dizer “mortandela” ao invés de mortadela, “mendingo” ao invés de mendigo, “salchicha” ao invés de salsicha e “iorgute” ao invés de iogurte são erros brutais.

Todo cuidado é pouco
Já adverte o ditado popular que “o costume de casa, vai à praça”. Dificilmente alguém que está acostumado a falar errado consegue, de uma hora para a outra, passar a falar corretamente. Já pensou se, em uma entrevista de emprego, você perde a vaga por não saber falar o português? Afinal, poucas empresas estão dispostas a contratar alguém que não consiga estabelecer uma conversa adequada com os clientes ou com os parceiros. Não adianta estar bem apresentável, demonstrar ser uma pessoa agradável e quando abrir a boca liberar inúmeros erros gramaticais. Considere o domínio da língua como uma vantagem para você.

Do Oiapoque ao Chuí
Em muitas regiões do Brasil o sotaque e os vícios linguísticos praticamente criam uma segunda língua, derivada do português. Segundo a professora Graça Reis, os erros mais comuns variam de região para região. “No nordeste do Brasil, por exemplo, fala-se "eu lhe amo" ao invés de "eu te amo". Já na região sudeste os erros de concordância são gritantes. As pessoas brincam que São Paulo é a terra de “dois pastel e um chopes”. Acredito que, independente dos erros, o mais importante é que as pessoas consigam se comunicar. Me lembro de uma tia, por quem sou apaixonada, que diz uma grande quantidade de erros gramaticais. E eu gosto de cada um deles. Talvez sejam eles que expressem a identidade dessa tia tão querida”, conta a professora.


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