Publicada na edição de 17 a 23 de outubro de 2014 do
Jornal do Trem e Folha do Ônibus da FLC Comunicações Ltda.
A ausência de informações, o
racionamento velado e o descompromisso refletem-se no dia a dia da população
A retomada da saúde do Cantareira
depende do trabalho da natureza e do homem. De um lado, não há previsão de
chuvas constantes ou volumosas até o final de outubro – espera-se que as
precipitações de novembro e dezembro renovem o fôlego do Cantareira para o
próximo ano. Do outro lado, está a ação humana: a administração exercida pela
Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), que é
questionável.
Transita na Câmara Municipal de São
Paulo uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que apura as ações tomadas
pela Sabesp, e a Justiça determinou que órgãos reguladores acompanhem o
processo de retirada de água das represas, a fim de garantir o fornecimento à
população.
O racionamento, que ocorre em diversos
pontos do estado, é negado pela Sabesp. De falta de informações e de péssima
perspectiva para o futuro é que vivem os paulistas.
Em
benefício próprio
Há anos, a Sabesp acompanha o
esvaziamento do Cantareira. Em 2011, assumiu em relatórios que retirava do
sistema mais água do que podia, segundo informações do vereador paulistano
Nabil Bonduki.
Por ser uma empresa semiprivatizada, a Companhia
ganha com a venda, e não com o cosumo consciente. Apenas no ano passado, seu
lucro foi de 1,9 bilhão – valor distribuído entre acionistas, gestores e
funcionários.
Apesar de fornecimento de água ser um
dos serviços de saneamento básico garantidos em constituição, a vendedora
Andrea Lima, que mora no município de Osasco, Grande São Paulo, é uma das diversas
pessoas que se vê sem o recurso. “A água vinha sendo cortada todas as noites,
agora fico sem durante as tardes também. Já comecei a estocar em baldes e
panelas”, confessa. “Enquanto o problema não se resolve, quem paga é a
população”.
Racionamento
velado
Há cerca de um ano, a população convive
com o agravamento da crise hídrica e com a Sabesp negando a possibilidade de um
racionamento. No último dia 8, em depoimento na CPI da Sabesp, a presidenta da companhia,
Dilma Pena, negou o racionamento, mas admitiu a redução da pressão do
bombeamento. “A falta de água depende do reservatório (caixa d’água). Se ele for
adequado, a família não ficará sem água”, afirmou.
“Dilma Pena usa de um eufemismo”, aponta
o ambientalista e coordenador da rede De Olho nos Mananciais, Mauro Scarpinatti.
“Ela pode escolher as palavras que quiser para explicar o que está acontecendo,
mas se trata de um racionamento – que está sendo negado em função dos
interesses eleitorais do segundo turno”.
Segundo a Sabesp, “as elevadas
temperaturas dos últimos dias provocaram aumento do consumo que, associado às
medidas operacionais para levar água de outros sistemas a bairros originalmente
atendidos pelo Cantareira, prejudicou o abastecimento em alguns pontos altos e
distantes”.
Para a estudante Carolina Soares, fingir
que não há racionamento é “zombar da inteligência” das pessoas. “O racionamento
oficial deve acontecer o quanto antes. Cortar a água de madrugada, achando que
ninguém vai perceber, é jogar sujo e querer manter a população desinformada
sobre a gravidade do problema”.
Futuro
incerto
Enxergando o fim da água disponível no
sistema – cerca de 4% de sua capacidade total – a Sabesp solicitou à Justiça
autorização para explorar a segunda cota do volume morto do Cantareira, e teve
o pedido negado. A intenção dos Ministérios Públicos Estadual e Federal é pressionar
a companhia para que o volume atual dure pelo menos até 30 de novembro.
“Com a nova captação, a transferência
de áreas antes atendidas pelo Cantareira para outros sistemas, o combate às
perdas e a economia da população, o abastecimento de água estará garantido até
março de 2015”, afirmou a Sabesp para o Jornal do Trem & Folha do Ônibus.
Para o ambientalista Mauro Scarpinatti,
tratar a questão como se obras de emergência resolvessem o problema “denota
irresponsabilidade, má gestão e descaso”.
População
economiza
Segundo dados da Sabesp, cerca de 70%
dos consumidores da Grande São Paulo reduziram o consumo de água.
Para Scarpinatti, um agravante no processo
é o desperdício de aproximadamente 30% da água por conta de vazamentos. “Esse
índice é inadmissível, corresponde a jogar fora uma represa do Guarapiranga”.
Em relação às perdas, a Sabesp declara
que não há especificações para os vazamentos, por conta da variação na
milimetragem das tubulações e dos danos.
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