Publicada na edição de 04 a
10 de abril de 2014 do Jornal do Trem e Folha do Ônibus da FLC Comunicações
Ltda.
O machismo é tão perigoso quanto o
preconceito racial – é a invalidação da mulher por ela ser mulher
Você concorda ou discorda da frase “As
mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”? E com a
frase “Se as mulheres soubessem como se comportar haveria menos estupros”? Se
concordar, pelo menos um pouco, com alguma delas, talvez você precise pensar
melhor.
Essas perguntas compuseram uma pesquisa
do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), realizada em âmbito
nacional. Em seu resultado, mais da metade do grupo de brasileiros entrevistados,
65%, concordou com a primeira e, 58%, com a segunda. “A aceitação dessas frases
evidencia que o machismo é um valor enraizado na sociedade, mas ele não deve
ser aceito. Com base no machismo são cometidos crimes, muitos deles hediondos,
gravíssimos. Há, no mínimo, a falta de percepção sobre o que está sendo dito”, acredita
o sociólogo Aurélio Nascimento.
Todas as pessoas são influenciadas,
desde criança, a acreditar em determinadas coisas sem nem pensar. Mas, em algum
momento da vida, é preciso parar e refletir sobre aquilo que se acredita.
Portanto, façamos um exercício rápido. Afinal, quando falamos de mulheres,
falamos de nossas mães, irmãs, filhas e companheiras.
“Merecem
ser atacadas”
No dicionário Priberam, há duas
definições muito distintas para a palavra merecer. Uma é “atrair para si” e
outra é “ser digna de”. Acreditar que uma mulher bêbada, por exemplo, “atraia
para si” a possibilidade de um estupro é algo razoável em nossa sociedade,
considerando que não há fiscalização ou punição adequada para esse tipo de
violência no Brasil. E para piorar, muitos homens acreditam que fazer sexo sem
o consentimento da mulher – o famoso “forçar a barra” – é algo normal.
Agora, acreditar que uma mulher bêbada
ou que uma mulher que use roupas que mostrem o corpo “é digna” de ser atacada é
algo completamente diferente. “Nada justifica a violência”, alerta o sociólogo.
Vale a pena refletir sobre o peso das palavras.
“Saber
se comportar”
Quanto à segunda frase, é preciso ter
consciência de que a sociedade espera que a mulher se comporte de determinada
maneira. Muitas vezes, as pessoas são agressivas com aquelas que usam roupas
curtas, que não têm um parceiro fixo ou que não queiram se casar e ter filhos. Acontece
que qualquer pessoa precisa ser respeitada em suas escolhas, independentemente das
imposições sociais. Portanto, dizer que uma mulher sabe ou não se comportar não
faz sentido, pois cada um tem o direito de se comportar como quiser.
“Essa pesquisa só pontuou em números o
que nós, mulheres, vivenciamos diariamente: o desrespeito”, acredita a
assistente social Luciana Catani.
Em relação ao estupro, é preciso refletir
que o responsável pelo ato não é a mulher que anda sozinha, nem a mulher que
usa roupas curtas e nem a mulher bêbada e desacordada – é sim o estuprador.
Supremacia
masculina
Não respeitar os direitos, os desejos e
as atitudes das mulheres é anulá-las enquanto seres humanos, colocá-las em um
patamar inferior ao dos homens. Esse pensamento asqueroso pode ser comparado ao
daqueles que acreditam que as pessoas negras são inferiores as pessoas brancas.
Não faz sentido.
Segundo a psicóloga Claudia Sarti, para
combater o machismo é preciso educar as crianças de uma maneira diferente.
“Atualmente, a maioria aprende que tem um papel a desempenhar na sociedade de
acordo com padrões machistas. É importante que os adultos ofereçam outros
modelos sociais a elas, mais igualitários”.
Por
um futuro melhor
Segundo a assistente social Luciana
Catani, “a população feminina precisa ter consciência da condição em que vive.
Após se reconhecer enquanto classe oprimida, as mulheres farão a diferença,
ensinarão os seus amigos, companheiros e filhos a serem pessoas melhores”.
Assim como ela, o sociólogo Aurélio Nascimento
acredita que a luta por um mundo mais igualitário deve começar já. “O que não
pode, de jeito nenhum, é permitir que a maioria associe a culpa de um ataque à própria
vítima”.
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