segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Como mudar o excesso de cesarianas no Brasil?

Publicada na edição de 23 a 29 de maio de 2014 do Jornal do Trem e Folha do Ônibus da FLC Comunicações Ltda.

Nos últimos quarenta anos, essa modalidade de parto se tornou a mais procurada – e um problema de saúde pública

Dos partos realizados no Brasil, cerca de 42% são cesarianas – índice maior que o dobro do indicado pela OMS (Organização Mundial de Saúde), que é de 15%. Embora ela seja reconhecida como a melhor alternativa para casos em que o bebê não pode nascer por vias normais, o alto índice de realização de cesáreas no Brasil gera preocupações. Trata-se de um problema de saúde pública.
A OMS aponta riscos de contaminações, infecções, problemas pós-parto e mortalidade como as suas principais preocupações com uma população que prefere a prática do parto cirúrgico. Ela indica que tanto a classe médica quanto a população deem preferência à realização do parto normal sempre que possível.

Mundo moderno
Mas na prática é bem diferente. A filosofia “tempo é dinheiro” impera no trabalho dos obstetras (médicos especialistas em gravidez e partos). Esses profissionais ganham mais dinheiro se realizarem diversas cesáreas no mesmo dia, em comparação com o acompanhamento de um único parto normal que pode durar muitas horas.
Muitas mulheres brasileiras, por sua vez, desejam que o momento do parto esteja sob o seu controle e aconteça da maneira mais planejada possível. São atraídas pela conveniência de ter seu filho em dia e hora marcados. “A comodidade faz com que muitas optem pela cesariana. A decisão sobre o tipo de parto é livre e deve ser respeitada, logo cabe à mulher buscar informações sobre os prós e os contras dos tipos de parto existentes e estabelecer uma preferência de maneira consciente”, indica a doula e naturóloga Raquel Oliva.
Segundo o ginecologista Luis Sampaio, o consenso que há em torno da realização de cesáreas no Brasil decorre de iniciativas públicas tomadas nos últimos 40 anos, que têm reflexo até hoje.

Problema antigo
Algumas iniciativas, tomadas em um passado próximo, ajudaram a configurar o quadro atual. Uma delas é o período em que a realização da laqueadura feminina era ofertada junto à cesárea, o que a tornava mais atraente. Segundo Luis Sampaio, houve também um período em que o SUS (Sistema Único de Saúde) não utilizava anestesia na realização de partos normais, o que ajudou a criar na sociedade a associação dessa modalidade de parto à dor.
Além disso, houve um período em que os médicos eram melhor remunerados pela realização de cesáreas do que de partos normais ou naturais. “Mesmo com a inversão da remuneração e com o fim de certas práticas, a procura pela alternativa cirúrgica se manteve alta”, expõe o médico.
Segundo a doula Marina Farkas, por decorrência da grande procura, a maioria dos médicos é levada a estudar mais a fundo a realização de cesarianas do que de outros tipos de parto. “Vejo que na rede pública, a mulher que opta por um parto normal não recebe os devidos cuidados. Na maioria das vezes a grávida nem tem o respaldo de um profissional que a dê suporte emocional. É preciso aumentar as condições para a realização de partos normais”, diz.

Mudando o cenário
Para promover a diminuição da realização de cesáreas no SUS, o Ministério da Saúde faz uso de uma estratégia chamada Rede Cegonha. Desde 2011, a ação incentiva o parto normal e intensifica a assistência à saúde de mulheres e crianças, na intenção de assessorá-los desde a confirmação da gravidez até o segundo ano de vida do bebê, passando pelo pré-natal, parto e pós-parto.
Para Marina Parkas, além de melhorias no SUS é preciso que os convênios brasileiros propiciem aos seus obstetras um cenário em que eles não “percam dinheiro” ao desmarcar consultas para assessorar partos normais.
Mas talvez a mais importante iniciativa a ser tomada quanto ao assunto seja a conscientização das futuras mamães.
“Atualmente há diversas fontes de informação. A leitura de reportagens, artigos científicos e o contato com doulas ou com grupos de discussão é muito importante. É apenas questionando e tirando todas as suas dúvidas que a mulher tende a ser mais “dona” desse processo”, explica Raquel Oliva.

A escolha mais adequada
O caso de Adelir Goes, 29, uma mãe do Rio Grande do Sul que optou por um parto normal, mas foi obrigada legalmente a fazer o parto cirúrgico, assustou todo o país. Adelir obteve orientações médicas, mas não se convenceu de que estava recebendo informações adequadas – acreditou estar sendo induzida sem motivos a uma cesariana.

“Muitos obstetras informam sem explicar, o que costuma gerar dúvidas. Sendo assim, cabe às mulheres buscar segundas opiniões se necessário e contar com a ajuda do médico para reconhecer o limite entre um parto normal e uma cesárea”, indica Raquel.

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