Publicada na edição de 23 a 29 de maio
de 2014 do Jornal do Trem e Folha do Ônibus da FLC Comunicações Ltda.
Nos últimos quarenta anos, essa modalidade de parto se tornou a mais procurada – e um problema de saúde pública
Dos partos realizados no Brasil, cerca
de 42% são cesarianas – índice maior que o dobro do indicado pela OMS
(Organização Mundial de Saúde), que é de 15%. Embora ela seja reconhecida como a
melhor alternativa para casos em que o bebê não pode nascer por vias normais, o
alto índice de realização de cesáreas no Brasil gera preocupações. Trata-se de
um problema de saúde pública.
A OMS aponta riscos de contaminações, infecções,
problemas pós-parto e mortalidade como as suas principais preocupações com uma
população que prefere a prática do parto cirúrgico. Ela indica que tanto a
classe médica quanto a população deem preferência à realização do parto normal sempre
que possível.
Mundo
moderno
Mas na prática é bem diferente. A
filosofia “tempo é dinheiro” impera no trabalho dos obstetras (médicos
especialistas em gravidez e partos). Esses profissionais ganham mais dinheiro se
realizarem diversas cesáreas no mesmo dia, em comparação com o acompanhamento
de um único parto normal que pode durar muitas horas.
Muitas mulheres brasileiras, por sua
vez, desejam que o momento do parto esteja sob o seu controle e aconteça da
maneira mais planejada possível. São atraídas pela conveniência de ter seu
filho em dia e hora marcados. “A comodidade faz com que muitas optem pela
cesariana. A decisão sobre o tipo de parto é livre e deve ser respeitada, logo
cabe à mulher buscar informações sobre os prós e os contras dos tipos de parto existentes
e estabelecer uma preferência de maneira consciente”, indica a doula e
naturóloga Raquel Oliva.
Segundo o ginecologista Luis Sampaio, o
consenso que há em torno da realização de cesáreas no Brasil decorre de iniciativas
públicas tomadas nos últimos 40 anos, que têm reflexo até hoje.
Problema
antigo
Algumas iniciativas, tomadas em um passado
próximo, ajudaram a configurar o quadro atual. Uma delas é o período em que a
realização da laqueadura feminina era ofertada junto à cesárea, o que a tornava
mais atraente. Segundo Luis Sampaio, houve também um período em que o SUS
(Sistema Único de Saúde) não utilizava anestesia na realização de partos
normais, o que ajudou a criar na sociedade a associação dessa modalidade de
parto à dor.
Além disso, houve um período em que os
médicos eram melhor remunerados pela realização de cesáreas do que de partos
normais ou naturais. “Mesmo com a inversão da remuneração e com o fim de certas
práticas, a procura pela alternativa cirúrgica se manteve alta”, expõe o
médico.
Segundo a doula Marina Farkas, por
decorrência da grande procura, a maioria dos médicos é levada a estudar mais a
fundo a realização de cesarianas do que de outros tipos de parto. “Vejo que na
rede pública, a mulher que opta por um parto normal não recebe os devidos
cuidados. Na maioria das vezes a grávida nem tem o respaldo de um profissional
que a dê suporte emocional. É preciso aumentar as condições para a realização
de partos normais”, diz.
Mudando
o cenário
Para promover a diminuição da
realização de cesáreas no SUS, o Ministério da Saúde faz uso de uma estratégia
chamada Rede Cegonha. Desde 2011, a ação incentiva o parto normal e intensifica
a assistência à saúde de mulheres e crianças, na intenção de assessorá-los
desde a confirmação da gravidez até o segundo ano de vida do bebê, passando
pelo pré-natal, parto e pós-parto.
Para Marina Parkas, além de melhorias
no SUS é preciso que os convênios brasileiros propiciem aos seus obstetras um
cenário em que eles não “percam dinheiro” ao desmarcar consultas para
assessorar partos normais.
Mas talvez a mais importante iniciativa
a ser tomada quanto ao assunto seja a conscientização das futuras mamães.
“Atualmente há diversas fontes de
informação. A leitura de reportagens, artigos científicos e o contato com
doulas ou com grupos de discussão é muito importante. É apenas questionando e
tirando todas as suas dúvidas que a mulher tende a ser mais “dona” desse
processo”, explica Raquel Oliva.
A
escolha mais adequada
O caso de Adelir Goes, 29, uma mãe do
Rio Grande do Sul que optou por um parto normal, mas foi obrigada legalmente a
fazer o parto cirúrgico, assustou todo o país. Adelir obteve orientações
médicas, mas não se convenceu de que estava recebendo informações adequadas – acreditou
estar sendo induzida sem motivos a uma cesariana.
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